mais e mais

Com que cara eu vou? Com qual escrevo aqui? Neste caso, com a danieldântica de sempre, naquele, a de sempre também. Me custa bastante ser autêntico, semelhante à dispendiosidade da vida numa economia de mercado capitalista. Esse tempo todo sem atualizar o blog serviu para vislumbrar diversas nuances do comportamento humano, evidentemente que todas elas realizadas sem métodos científicos, mas carregadas de achismos, desconfianças e muita curiosidade.

Sobre autenticidade, me parece que a hipocrisia se tornou um imperativo social. Item obrigatório nos seres humanos fabricados a parir de 1930, a hipocrisia poderia ser dita como o mecanismo acionador da mentira, aquele lubrificante comumente usado nas engrenagens das relações humanas. Etimologicamente falando, a palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos representando fingimento no sentido artístico. Passando a ser usada mais tarde para classificar moralmente pessoas que fingem comportamentos.

Na vida adulta, há uma dicotomia ao atingir certo nível de consciência: ser hipócrita ou “limitado”. Os primeiros abstraem questões que não deveriam. Já os outros são tidos por limitados por não perceberem a realidade a sua volta, sequer conseguem buscar informações consistentes para chegarem à suas conclusões.

Como interpretamos uma democracia e a hipocrisia tem maioria representativa, ela assume facilmente os poderes. Daí, você e eu que somos autênticos pagamos os tributos da sinceridade, arriscando a cair na malha fina, pelo volume de hipocrisia que circula tanto nas diversas camadas de convívio humano. Ultimamente tem sido aceitas moedas paralelas como noites de sono e doenças psicossomáticas. O fato é que certa hora a dívida atualizada será paga.

Aos limitados, resta a limitação ou a reflexão. Talvez ler mesmo ler isso aqui em vez de tv aberta no final de semana para manter seu torpor habitual .

Pense sobre ouvindo Sérgio Sampáio com essa música verossímil a qualquer um de nós.

Roda Morta (reflexões de um executivo)  – (Sérgio Sampaio)
 
O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
mais e mais

Término, seguir em frente

Depois – Marisa Monte

Os recursos naturais são finitos, o dia términa e uma hora a paciência acaba. Com um relacionamento não é diferente, seja pelo desgaste natural, por motivos externos e etc, ele também finda. O que vale é a experiência, o que foi possível desfrutar e aprender. Ainda que o término seja problemático, os motivos que levaram ao início da relação não se alteram, portanto, espera-se um mínimo de respeito póstumo.

Uma relação, por pior que possa ter sido, tem a capacidade de nos desenvolver emocional e psicologicamente. Isto é, aprendemos alguma(s) coisa(s) da pessoa com quem estamos e também ensinamos um pouco de nós. Há uma troca gratuita e intensa, isto em função paixão/amor entre os envolvidos. Deixamos de ser quem éramos e nos tornamos um outro alguém  fruto da miscigenação de ideias, jeitos e manias naturais de um relacionamento. Tal evolução não pode ser negada. No entanto,  não há necessidade de endeusar o passado, apenas respeita-lo e deixá-lo onde está em vez de remoê-lo.

Contudo, o apego natural que algumas pessoas costumam sentir faz com que esse desprendimento se torne uma difícil realização. Outros fatores podem influenciar a situação negativamente, como por exemplo: imaturidade, arrependimento, ciúmes, baixo-estima/complexo de inferioridade e etc. Tais sentimentos não devem ser alimentados por causarem desconfortos piores que os gástricos.

Em vez disso, há quem canalize a energia vinda da tristeza para a criatividade. Alguns discos bem legais surgiram de situações assim:

Lira – Lira

Otto – Certa Noite Acordei de Sonhos Intranquilos (2009)

Amy Winehouse – Back to Black (2006)

Porém a música que melhor que simboliza a maneira ideal de lidar com isso é da Marisa Monte e se chama Depois. Ela faz uma reflexão acerca do fluxo seguido por uma relação até seu término, incluindo dor subsequente e, principalmente, a questão de seguir adiante.

Abaixo segue sua letra.

Depois – Marisa Monte

Depois de sonhar tantos anos,
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos,
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também

Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também

Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos histórias
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também

Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois

É isso, pense sobre como encarar o fim.

angustia adolescente

Do momento em que a conheci até agora, a angustia adolescente tem me acompanhado. Não, não sou emo. Mas percebo que a ansiedade sentida na adolescência não acaba, mas se manifesta de formas diferentes ao longo da vida. Situações novas, de descobrimento, seguidas de decisões a serem tomadas remete aos calafrios da puberdade.

Então fiquei pensando em situações causadoras  dessa sensação. Imediatamente recordei de queixas de amigos relacionadas a morar com os pais após certa idade, carreira, relacionamentos, cobranças sociais e etc. Algumas delas merecem um pouco mais de atenção por conta da frequência com que ocorrem.

Por exemplo, atualmente a maior quantidade de anos dedicados à qualificação aliada à corujisse dos pais em querer manter os rebentos próximos faz com que a seguinte máxima seja validada: os vinte de ontem são os trinta de hoje. A geração que tangencia os trinta anos tem resistido em trocar o conforto do  lar dos pais pela misteriosa aventura de morar sozinho. Sozinho ou em república, mas cuidando de si mesmo. O desafio de administrar a própria vida de maneira adequada, realizando seus anseios mas respeitando seus limites após identificá-los. Os questionamentos que envolvem essa questão, normalmente, costumam ser fatores de angustia.

A carreira é outro ponto delicado, sobretudo quando a pessoa está insatisfeita com o rumo das coisas. A premeditação do sucesso resultante de anos de qualificação confrontada com seu atraso é um possível fator de conflito interno. Basear a realização nas atividades desempenhadas para alcançar determinado objetivo é uma forma de contornar a ansiedade pelo alcance efetivo da meta. Afinal, não dizem que o importante é competir?! A desobrigação do sucesso proporciona um olhar mais sóbrio nas possibilidades e oportunidades.

Um fator peculiar de angustia é a cobrança social, a qual acontece de dentro para fora. Modelos e ideais são internalizados como verdades absolutas. O não enquadramento em nenhum desses modelos pode gerar frustração. As obrigações de ter a carreira resolvida, a a vida pessoal estabelecida, as rotinas familiares arraigadas começam a ficar latentes por volta dos trinta à medida em que a sombra da vida adulta começa ser projetada a partir dos nossos pés. No entanto, acredito que existam opiniões e opiniões. Como a sociedade está em constate mutação, obrigar-se a determinado modelo simplesmente para ser aceito não me parece boa ideia, afinal, valores mudam e com eles, os julgamentos.

Tantos outros motivos poderiam ser citados, mas fazendo um resgate histórico musical, vi que o The Who entendeu essa problemática há algum tempo, denominando-a devastação adolescente. Por isso a canção da abertura do post, Baba O’rilley. Abaixo segue sua letra.

Por fim, não se preocupe caso sinta-se inseguro e confuso diante de alguma situação. Isso é normal. Apenas não deixe se deter e faça aquilo que acreditar ser certo. Cobre-se e preste conta a si mesmo. Ficar em paz consigo mesmo é o ponto de partida para todo o restante.

Aqui fora nos campos
Eu luto pelas minhas refeições
Eu tenho minhas responsabilidades no meu modo de viver
Eu não preciso lutar
Para provar que estou certo
Eu não preciso ser perdoado
Não chore,
Não levante seu olhar
É só a devastação adolescente
Sally, pegue minha mão
Bem, viaje até o sul, cruzando a território
Apague o fogo
E não olhe acima de meu ombro
O êxodo está aqui
Aqueles felizes estão próximos
Vamos ficar juntos
Antes de ficarmos muito velhos
Devastação adolescente
É só a devastação adolescente
Devastação adolescente
Oh, oh
É só a devastação adolescente
Eles estão todos bêbados!

perspectiva

Perspectiva

Cheguei à conclusão de que às vezes as ficha simplesmente cai, do nada. Noutras, o processo de insight acontece a partir de um evento externo. Me refiro àquele momento em que você compreende algo até então impensável, por meio de percepções, associações, correlações e outras possibilidades de ideias que culminam num novo pensamento. Quando isso acontece, não é incomum sentir uma sensação de brilhantismo disfarçado de euforia percorrer o corpo, sendo que sua intensidade varia de acordo com o contexto.

Recentemente tive um insight por conta da morte de um amigo distante. Faleceu em função de um problema cardíaco. Estava com a minha idade e não consigo deixar de pensar que ele se foi muito cedo. Além disso, tenho grande dificuldade em aceitar que, repentinamente, uma pessoa cheia de vida fez a passagem enquanto tantos candidatos em potencial que já desistiram dessa vida há tempos ou, pior, que tem colaborado para que outros desistam, estejam perambulando por ai. Minha mente cartesiana não consegue imaginar o equilíbrio cósmico sendo restabelecido por este fato, sobretudo porque o Gabriel era este cara aqui (homenagem dos demais integrantes do Grupo de Humor do qual ele fazia parte, a Quase) . Bom, que ele seja (sic) em paz.

O Gabriel estava morando fora da sua cidade natal para fazer doutorado, lecionava e ajudava a produzir o conteúdo humorístico da Quase. Antes disso, já havia morado em outra cidade para fazer mestrado. Era uma pessoa ocupada pelas tantas responsabilidades que estava habituado a assumir. Notei algumas similaridades quando comparei nossas vidas. Talvez ele tivesse até se poupado de uma série de esforços se houvesse imaginado que estava por vir. Por outro lado, certamente privilegiaria muito mais o tempo com o que lhe fosse importante. Tais especulações póstumas me fizeram rever certas perspectivas e pensar novas possibilidades de vida.

Acredito que a imprevisibilidade do fim é o que deva pesar em nossas decisões. A oportunidade perdida pode até retornar, mas não sabemos se ainda estaremos lá quando isso acontecer. Clichê?! Possivelmente, mas uma ideia tão importante merece o uso de todos os recursos possíveis para ser afixada, pois mesmo sendo óbvia, há quem ainda não tenha atentado para essa perspectiva. A ficha ainda não caiu.